Francisco
Diante das mais diversas situações da vida cotidiana, a maioria das pessoas espera, senão exige, que se lhe digam a verdade. O paciente espera que o médico lhe informe a verdade sobre sua saúde; o juiz exige que as testemunhas em um processo digam somente a verdade sobre o que depõem; o povo deseja, ainda que desesperançado, que seus governantes digam a verdade sobre seus programas de governo; o fiscal de tributos quer que os documentos contábeis expressem a verdade a respeito da situação financeira da instituição fiscalizada.A violação da verdade, ainda que perdoada, quase sempre causa desconforto, tanto ao mentiroso, como ao enganado. Em virtude da violação da verdade, casamentos se desfazem, amizades se enfraquecem, inimizades se criam e o ódio se instala nas relações humanas.Na esfera pública, são fartos os exemplos de pessoas que violaram (ou pareceram ter violado) o dever de dizer a verdade e sofreram, em maior ou menor grau, algum tipo de repreensão social. Damian Green (ex-vice primeiro ministro britânico), Halbe Zijlstra (ex-ministro holandês), Michael Flynn (ex-conselheiro nacional de segurança dos Estados Unidos), Chris Huhne (ex-parlamentar britânico) são apenas alguns exemplos de pessoas destacadas no cenário político mundial que renunciaram aos seus cargos após reconhecerem ter proferido mentiras. Bill Clinton, embora absolvido, passou por processo de impeachment sob acusação de perjúrio, o que, em última análise, se caracteriza pela violação do dever sagrado de dizer a verdade.Apesar de a experiência ordinária revelar a importância da verdade, é frequente a atribuição de qualidades ou a construção de conceitos à verdade tendentes reduzir-lhe a importância e a torná-la irrelevante. Tem sido comum, tanto em conversas informais, como em textos acadêmicos, pretensamente caracterizados por algum rigor metodológico, a afirmação de que a verdade é ilusória, relativa, inalcançável ou de que simplesmente não existe.Se, porém, a verdade não existir (ou for inalcançável, ilusória, relativa etc.), qual é a relevância de saber se o vendedor está dizendo a verdade sobre o produto que oferta a um potencial comprador? Qual a relevância de saber se o médico está informando o diagnóstico verdadeiro ao seu paciente? Por que esperar que o farmacêutico diga a verdade sobre qual a substância que manipulou e que entrega para ser usada por um cliente enfermo da farmácia de manipulação?Essas e outras questões de ordem prática que, aparentemente, contradizem a noção corrente de que a verdade é irrelevante, desafiam o espírito humano a uma reflexão mais profunda sobre o tema. Responder a esse desafio é o objetivo deste pequeno livro.